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Ação Civil obriga Consamu a contratar mais deficientes

Além disso, o consórcio foi condenado a pagar R$ 30.000,00 por dano moral coletivo, valor a ser destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

16/04/2025 09h34
Por: Marcio Cerny Fonte: CGN
Foto: CGN
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O Consórcio Intermunicipal de Saúde dos Municípios do Oeste do Paraná (Consamu) foi condenado pela Vara da Fazenda Pública de Cascavel em uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

A decisão, proferida pelo juiz Eduardo Villa Coimbra Campos, determina que o Consamu reserve 20% das vagas em seus próximos concursos públicos para pessoas com deficiência e priorize a nomeação desses candidatos até cumprir o percentual mínimo de 5% de empregados com deficiência, conforme previsto no artigo 93 da Lei nº 8.213/1991.

Além disso, o consórcio foi condenado a pagar R$ 30.000,00 por dano moral coletivo, valor a ser destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Contexto da Ação

A Ação Civil Pública foi iniciada pelo MPT com base em uma fiscalização realizada entre dezembro de 2016 e abril de 2019.

A investigação constatou que o Consamu descumpria a cota legal de contratação de pessoas com deficiência.

Em novembro de 2018, o consórcio contava com 656 empregados, mas apenas um era pessoa com deficiência, quando deveria ter 27 trabalhadores para atender ao percentual de 4% exigido pela Lei nº 8.213/1991.

Em agosto de 2019, o déficit era de 28 trabalhadores.

Em 2022, com 1.179 empregados, apenas dois eram pessoas com deficiência, evidenciando a persistência da irregularidade.

O MPT alegou que o Consamu, apesar de ser um consórcio público sujeito a realizar concursos públicos, também está obrigado a observar a cota mínima de empregados com deficiência, conforme a legislação trabalhista.

A ação apontou que os editais de concursos do Consamu, como o de nº 04/2016 e nº 04/2019, previam a reserva de 5% das vagas para pessoas com deficiência, mas continham cláusulas que dificultavam o preenchimento efetivo dessas vagas.

Por exemplo, quando o número de vagas era inferior a cinco, não havia reserva imediata para candidatos com deficiência, e as vagas do cadastro de reserva eram distribuídas por diversos municípios, dificultando nomeações.

O MPT também destacou que o Consamu se recusou a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para resolver a questão extrajudicialmente.

A ação buscava não apenas corrigir a irregularidade, mas também reparar o dano social causado pela exclusão de pessoas com deficiência do mercado de trabalho, propondo uma indenização de R$ 100.000,00 por dano moral coletivo.

Defesa do Consamu

Em sua contestação, o Consamu apresentou preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho, falta de interesse processual e legitimidade ativa do MPT, além de solicitar a limitação territorial dos efeitos da sentença à comarca de Cascavel.

No mérito, o consórcio argumentou que segue as regras de direito público, com admissão de servidores por concurso público, e que a natureza de suas funções, que muitas vezes exigem curso superior, técnico, carteira de habilitação categoria “D” e formação para condutores de emergência, restringe a contratação de pessoas com deficiência.

O Consamu sustentou que não poderia ser penalizado por um “fenômeno social” e que dá ampla publicidade a seus editais.

Decisão Judicial

O juiz Eduardo Villa Coimbra Campos rejeitou as preliminares levantadas pelo Consamu. Sobre a legitimidade do MPT, a sentença destacou que o direito ao trabalho com igualdade para pessoas com deficiência tem caráter difuso, beneficiando toda a coletividade, o que confere ao MPT legitimidade para atuar, conforme os artigos 82 do Código de Defesa do Consumidor e 5º da Lei nº 7.347/1985.

A preliminar de limitação territorial foi rejeitada com base na inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei nº 7.347/1985, declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.101.937/SP, que repristinou a redação original do dispositivo, sem restrição territorial.

No mérito, o juiz reconheceu a inobservância do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, que obriga empresas com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% de seus cargos com pessoas com deficiência ou reabilitados.

A sentença apontou que, embora o Consamu reserve 5% das vagas em seus concursos, essa medida não foi suficiente para cumprir a cota mínima de empregados com deficiência.

Em 2022, apenas 0,17% do quadro de funcionários do consórcio era composto por pessoas com deficiência, muito abaixo do exigido.

O juiz determinou que o Consamu passe a reservar 20% das vagas em seus próximos concursos para pessoas com deficiência, conforme permitido pelo artigo 5º, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, e priorize a nomeação desses candidatos até atingir o percentual mínimo de 5% do quadro de empregados.

A medida visa aumentar a participação de pessoas com deficiência nos certames e corrigir a irregularidade.

A sentença também enfatizou que as contratações devem respeitar a compatibilidade entre as limitações dos candidatos e as funções a serem exercidas, com eventuais adaptações razoáveis, conforme a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Indenização por Dano Moral Coletivo

A sentença reconheceu a existência de dano moral coletivo decorrente da omissão do Consamu em adotar medidas para cumprir a cota legal.

O juiz considerou que a conduta do consórcio perpetuou um estado de discriminação, dificultando o acesso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho e violando valores fundamentais da sociedade, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, previstos nos artigos 1º, inciso III, e 3º, incisos I, III e IV, da Constituição Federal.

O dano moral coletivo foi considerado presumido (in re ipsa), dispensando a comprovação de prejuízos específicos a indivíduos.

No entanto, o juiz arbitrou a indenização em R$ 30.000,00, valor inferior aos R$ 100.000,00 pedidos pelo MPT, por considerar que o Consamu atendeu parcialmente a legislação ao reservar 5% das vagas em concursos.

O montante foi fixado com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta a capacidade econômica do consórcio e a necessidade de evitar prejuízos à prestação de serviços públicos.

Os R$ 30.000,00 serão corrigidos pela Taxa Selic a partir da data da sentença e acrescidos de juros de mora com base na remuneração da caderneta de poupança de janeiro de 2015 (data do evento danoso) até 8 de dezembro de 2021, conforme a Emenda Constitucional nº 113.

O valor será destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, gerido pelo Conselho Deliberativo do FAT, e qualquer comunicação pública sobre a destinação deverá informar que os recursos provêm desta condenação.

A decisão se baseou em um robusto arcabouço normativo, incluindo:

  • Constituição Federal: Artigos 7º, inciso XXXI (proibição de discriminação na admissão de trabalhadores com deficiência), 37, inciso VIII (reserva de vagas em concursos), e 1º, inciso III, e 3º, incisos I, III e IV (dignidade da pessoa humana e objetivos de redução de desigualdades).
  • Lei nº 8.213/1991: Artigo 93, que estabelece a cota mínima de empregados com deficiência.
  • Lei nº 8.112/1990: Artigo 5º, § 2º, que permite a reserva de até 20% das vagas em concursos.
  • Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): Garante o direito ao trabalho em ambiente acessível e inclusivo.
  • Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Incorporada ao ordenamento brasileiro com status de emenda constitucional (Decreto nº 6.949/2009), reforça a promoção do emprego de pessoas com deficiência.
  • Decreto nº 9.508/2018: Assegura a reserva mínima de 5% das vagas em concursos públicos.

O juiz também citou precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) que reconhecem a responsabilidade de entes públicos pelo descumprimento da cota de pessoas com deficiência e a necessidade de medidas afirmativas para corrigir a exclusão desse grupo do mercado de trabalho.

O Consamu não foi condenado ao pagamento de custas processuais ou honorários advocatícios, conforme o artigo 18 da Lei nº 7.347/1985, por não ter sido caracterizada má-fé.

A sentença não está sujeita a reexame necessário, pois o valor da condenação é inferior ao teto de 1.000 salários-mínimos previsto no artigo 496, § 3º, inciso III, do Código de Processo Civil.

E agora?

As partes foram intimadas a cumprir a decisão, e o Consamu deverá ajustar seus editais de concurso e processos de nomeação para atender às determinações judiciais.

O MPT poderá acompanhar o cumprimento da sentença, e eventuais descumprimentos podem ser objeto de execução judicial, com possibilidade de aplicação de multas.

A destinação dos R$ 30.000,00 ao Fundo de Amparo ao Trabalhador será monitorada para garantir que os recursos sejam utilizados em benefício da coletividade.

A decisão é de 1ª instância e cabe recurso, podendo ser reformada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

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